Autoras: Camila Maria Rodrigues; Regiane Maciel de Almeida
Este relato trata da história de vida de um rapaz surdo, que aqui chamaremos de Gabriel. A entrevista foi realizada em sua casa com a ajuda de sua irmã mais velha que traduziu o que ele dizia em libras.
Quando o menino nasceu ninguém sabia da sua deficiência, todos o achavam “normal” por não apresentar nenhuma deficiência aparente. A criança não recebia muita atenção das pessoas. A mãe não brincava com ele, não proporcionava atividades para que ele desenvolvesse logo a fala. Já o pai passava a maior parte do seu tempo no trabalho e quando chegava a sua casa já era para dormir.
Com o passar do tempo, no seu aniversário de dois anos, ganhou um presente que fazia muito barulho. Foi neste momento que sua mãe percebeu que havia algo de estranho, pois o brinquedo fazendo todo aquele barulho não chamava atenção de Gabriel. Neste momento veio a preocupação.
A mãe então decidiu levar seu filho a um médico no hospital Albert Sabin. Chegando lá foram feitos vários exames e detectaram a perda de audição. Após a descoberta, Gabriel passou 2 anos fazendo tratamento no hospital. Ao completar cinco anos iniciou o jardim I em uma escola regular. Com muitas dificuldades, não conseguiu aprender nada. Mesmo assim, passou 2 anos nessa escola e após este período a mãe o colocou em uma outra escola regular.
Na nova escola em que entrou, tornou-se agressivo por não ser compreendido pelos colegas e professores. Como só se expressava com as mãos, os coleguinhas achavam que ele tinha outra opção sexual, dentre outras dificuldades... E assim passou mais dois anos nesta escola.
Como não conseguia aprender nada, sua mãe fazia sempre com que ele repetisse o ano. Sua irmã mais nova conseguiu alcançá-lo na mesma série e ela começou a chorar dizendo que não queria estudar como o irmão por que tinha vergonha dele. E por isso aproveitando que seu pai é policial, ela fez teste de seleção para o colégio da policia militar e passou a estudar lá para ficar longe do irmão.
Nesse conflito todo, a diretora da escola, que também era psicóloga, indicou para a mãe de Gabriel aulas de fonologia na UNIFOR, lá o tratamento era gratuito e eram fornecidas as passagens do transporte. Nesse tempo, com a mãe já ficando distante, quem levava ele para a UNIFOR era a avó e a tia, e com o passar do tempo ele começou a ir sozinho.
Na UNIFOR viram que ele tinha uma dificuldade muito grande para falar, aliás nem falava, e indicaram a ele outro colégio CAS – Centro de Atendimento às Pessoas com Surdez, cujo objetivo é criar condições adequadas para o desenvolvimento pleno das potencialidades do educando. É uma escola especializada para atender pessoas com surdez. Chegando lá, logo ele se identificou com as libras, que era um meio muito mais fácil para a sua comunicação. Assim Gabriel deixou até o tratamento de fonologia.
O Gabriel estudou nesse colégio até concluir o ensino médio. Nesta escola ele se identificava com todos, não havia preconceitos contra ele, e ainda construiu várias amizades. Com o passar do tempo o rapaz tornou-se um aluno tão desenvolvido que até hoje, mesmo já tendo terminado o ensino médio alguns colegas da escola vão até a sua casa para tirar dúvidas.
Quando ele terminou o ensino médio não conseguiu entrar na faculdade, pois o governo não fornece tantos recursos para os deficientes. Então fez vários cursos que ajudou no seu profissionalismo e se inscreveu nos programas de trabalho que oferecem vagas para os deficientes e assim conseguiu um emprego.
Gabriel depois que entrou no colégio para surdos não contou mais com a ajuda da mãe que já era pouca, ele por si só fez cursos, foi atrás de empregos, criou vários amigos, compra com seu dinheiro suas necessidades, e conseguiu superar os preconceitos que infelizmente ainda existem. Hoje ele se diz muito feliz por poder ganhar seu próprio dinheiro e não depender mais tanto de sua mãe.
Sua relação com a família não é boa. Sua mãe só se preocupa em trabalhar e em cuidar de si própria. Seu pai também só vive para o trabalho. Já as irmãs, uma tem pouquíssimo contato por não saber e nem se interessar em aprender libras, e a outra é a única que ainda conversa com ele, pois se interessou em saber um pouco de libras. Mas, mesmo com todas essas dificuldades Gabriel continua forte, e tem muita garra para ir à busca de seus sonhos sem deixar que ninguém o desmotive.
Hoje Gabriel é visto como um exemplo de superação onde sua deficiência e o preconceito não foram maiores do que a sua perseverança. Porém muitos deficientes desistem dos seus sonhos, e o principal fator da sua desistência não chega a ser a sua deficiência, mas sim a forma de como a sociedade o encara.