Por Renato Mesquisa e Iasmin Marinho
Alunos: No contexto da Educação Especial, o que seria o estigma?
Omote: A palavra estigma foi cunhada na Grécia antiga para designar marcas físicas no corpo produzidas artificialmente, com ferro em brasa ou cortes, para sinalizar que o seu portador era uma pessoa moralmente inferior (ladrão, escravo, traidor etc.). Depois, foi utilizada com várias acepções. Atualmente, no contexto da EE, a palavra estigma é usada com significado semelhante àquele com que os gregos antigos usavam, porém, em vez de marcas físicas no corpo, diz respeito a marcas sociais. Para Goffman, o significado hoje corresponde mais à desgraça social que marcas que a sinalizam. Na minha concepção, diz respeito a marcas sociais de descrédito social. Como as marcas sociais não são imediatamente perceptíveis, muitos recursos são utilizados para a identificação de pessoas em situação de descrédito social. O rótulo cumpre um pouco essa função. A demarcação físico-geográfica dos locais freqüentados ou em que são atendidos os estigmatizados também faz parte dessa função de sinalizar que os freqüentadores ou usuários são socialmente desacreditados.
Alunos: Que condições podem levar uma pessoa a ser estigmatizada?
Omote: O processo de estigmatização pode ser mais bem compreendido, analisando a dinâmica psicossocial da coletividade na qual determinadas categorias de pessoas são estigmatizadas. Vejo mais como um processo que se refere a essa dinâmica que como algo que ocorre com os indivíduos estigmatizados, em função de alguma característica deles. De uma maneira extremamente sucinta, poder-se-ia dizer que, quando as fronteiras de alguma normalidade relevante numa comunidade estiverem sendo violadas, cria-se um ambiente favorável para a construção de um desvio, em cuja caracterização depreciativa o processo de estigmatização tem participação destacada. Portanto, potencialmente, qualquer característica portada por um grupo de pessoas pode tornar-se um desvio. É uma forma de enfrentamento de um dilema por uma coletividade humana. Em situações de transição ou de instabilidade social, comumente ocorrem terrenos férteis para a construção de novos desvios e estigmas. Mas, não pode o estigma ser visto como algo negativo a ser combatido. Simplesmente faz parte da vida normal de uma coletividade humana, que precisa gerenciar a necessidade de tornar a vida coletiva viável ao reunir pessoas cujas motivações podem estar orientadas fortemente por necessidades e interesses individuais. Recomendo a leitura do meu artigo Estigma no tempo da inclusão, publicado na Revista Brasileira de Educação Especial, v.10, n. 3, p. 287-308, 2004.
Alunos: Como você define “rótulo”, e qual sua função?
Omote: O rótulo é apenas um nome para designar um evento (algum atributo ou comportamento, pessoas ou grupo de pessoas etc.). Qualquer evento, no processo de conhecimento acerca dele, precisa ser nomeado. Portanto, o rótulo em si não pode fazer nem bem nem mal a pessoas rotuladas. O que pode fazer mal são os usos que se fazem do rótulo, no sentido, por exemplo, de resumir em uma única designação todo o conjunto de características de pessoas rotuladas. Essas características que o rótulo suscita nem sempre são atributos efetivamente portados pelas pessoas rotuladas, mas podem ser apenas estereótipos. Uma vez que o rótulo passa a cumprir essa função social de caracterizar caricaturalmente a pessoa rotulada, acaba por orientar as ações de outras pessoas em relação a esta, interagindo com ela e tratando-a como se, de fato, possuísse os traços sugeridos pelo rótulo. Conseqüências negativas advêm, se houver, das ações de outras pessoas em relação à pessoa rotulada, que é percebida e tratada de conformidade com os estereótipos negativos associados, comumente em conjunto com baixas expectativas.
Alunos: No texto: “Deficiência: da diferença ao desvio”, você comenta que várias discussões foram feitas em torno dos prejuízos que os rótulos trazem para uma pessoa. Que questões podem ser esclarecidas com referência a esse problema da rotulação?
Omote: Além do que já foi apontado no item 3, é conveniente chamar a atenção para a inoperância de se substituírem rótulos impregnados de significações negativas por outros presumidamente neutros. O paradigma de condicionamento clássico demonstrou sobejamente que a associação sistemática entre um nome inicialmente neutro e um evento interpretado como negativo irá impregnar esse rótulo de significações igualmente negativas. Rótulos altamente negativos do passado, em desuso há longa data, perderam muito da significação negativa. Tais são, por exemplo, os nomes como idiota, imbecil, oligofrênico, mentecapto etc. Não há, enfim, nenhuma propriedade intrínseca a um rótulo que possa ser prejudicial a pessoas rotuladas. Dependendo do uso que se faz do rótulo, pode até beneficiar a pessoa rotulada. Por exemplo, um aluno com uma perda auditiva suficiente para prejudicar a sua participação nas atividades de sala de aula convencional pode beneficiar-se do rótulo de deficiente auditivo, no sentido de que os professores e seus colegas deixarão de tratá-lo como desatento, mal-criado e eventualmente até deficiente mental, e passar a receber atenção diferenciada que pode remover os obstáculos representados pela dificuldade de audição.
Alunos: Como você diferencia “integração” de “inclusão”?
Omote: A integração como processo social de inserção do deficiente em meios sociais aparece como uma forma de operacionalizar o princípio da normalização, segundo o qual o deficiente deve levar um modo de vida o mais próximo possível de pessoas comuns. Assim, se crianças comuns aprendem a ler e escrever em classes de ensino comum, então aquela que possui alguma deficiência também deve aprender essas competências em classes de ensino comum. Para tanto, investe-se na capacitação dela para que possa ser integrada a classe de ensino comum, na qual aprenda o que os demais alunos aprendem, usando, sempre que possível, os mesmos recursos utilizados por estes. No processo de integração, há ênfase na capacitação do deficiente, mas há também necessidade de que seja adequadamente preparado o ambiente, social ou não, no qual algum deficiente irá ser integrado. Na inclusão, a ênfase recai na adequação do meio para o acolhimento de pessoas deficientes; na verdade, acolhimento de todas as pessoas, independentemente das diferenças que possam possuir. Mas, considerando as infinitas diferenças, naturalmente não será possível uma plena inserção produtiva de todas as pessoas, mediante apenas as adequações do meio. Há uma interpretação um tanto equivocada no sentido de que com a inclusão, é o meio, e apenas ele, que precisa ser adequado. Tenho insistido na necessidade de cada cidadão, independentemente da natureza, extensão e magnitude da diferença que possui, receber educação e qualificação para adequar-se também às demandas do meio. Portanto, entendo que a inclusão não sepulta os velhos e bons conceitos norteadores como a normalização e a integração. Recomendo a leitura do meu artigo Normalização, integração, inclusão ..., publicado em Ponto de Vista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não esqueça de assinar seu comentário!