24 de novembro de 2009

Fátima Denari cede entrevista a alunos da UECE


Alunos Autores: Iasmin Marinho e Renato Mesquita

1. Comente, com base em seus estudos e vivências na inclusão, quais suas expectativas dos avanços e retrocessos da inclusão educacional no Brasil futuramente.
- Entendo que a Educação Especial é parte da educação básica e geral e a escola tem por uma de suas responsabilidades, organizar-se de forma a permitir aos educandos, a aprendizagem de conteúdos específicos de cada nível ou série. Nesta compreensão, as necessidades educacionais especiais referem-se à presença de dificuldades para aprender alguns conteúdos do currículo básico. Paradoxalmente, espera-se que o sistema escolar deva adequar-se ás necessidades dos alunos.

- Quanto a avanços e retrocessos: inegavelmente, conquistamos muito com o aporte legal vigente. Em termos de garantia de direitos, desde a Constituição da República Federativa (1988), passando pelo ECA, pela LDBEN 9394/96, pelos decretos de 2001/2002, até os mais atuais que abordam a educação dos surdos (Libras) esses instrumentos ainda nos instigam à reflexão. Contraditoriamente, são alguns destes mesmos instrumentos, os algozes da inclusão: como indicar, preferencialmente, a educação de crianças e jovens com deficiências na escola regular, se as primeiras barreiras encontradas são em relação à constituição de pessoa? Como definir quem é ou está deficiente (ao menos no que reporta ao “nó” da deficiência intelectual)? Ora, quem pretende dar a primazia a algo ou alguém, pode acabar abrindo a porta da exceção... Garantir que o aluno deficiente esteja matriculado, não garante, de forma alguma, a sua permanência: esta, está ligada e entendimentos, políticas, planos que ultrapassam a legislação; envolve pessoa e envolve qualidade. Os índices só retratam o aumento de matrículas, mas não mostram quantos permanecem, efetivamente, e quantos são alijados do sistema e se deslocam para a EJA, por exemplo. Neste sentido, desconfio das boas intenções da inclusão (se se pretende incluir é porque alguém está de fora!!!!!)

- Percebe-se, pois, que a história da profissão docente não se dissocia do lugar que seus membros ocupam nas relações de produção e do papel que desempenham na manutenção da ordem social. No momento em que a escola se impõe como um instrumento privilegiado de estratificação social, os professores também passam a ser investidos de ilimitado poder: podem promover a ascenção (integração/inserção/inclusão) do aluno diferente ou a sua estagnação (exclusão). Neste caso, a diferença não é vista como sinônimo de diversidade: diferença tem o peso do entendimento negativo, em que ao aluno são atribuídas características que o transformam em deficiente. Dadas as peculiaridades, cada aluno deveria receber atendimentos diferenciados, sem que isto se constituísse demérito e desencadeasse um processo de marginalização. Ao contrário, tais entendimentos justificar-se-iam na medida em que se reconhecesse que todas as pessoas diferenciam-se umas das outras, e que podem conviver, harmonicamente, a partir desta diferenciação. E esta convivência não deveria ser interpretada como uma concessão de um determinado grupo a outros, mas sim, como um direito que a sociedade reconhece que todos têm, sem discriminação.

- Desta forma, para garantir o êxito dos trabalhos na escola inclusiva, algumas condições devem ser consideradas, quais sejam: apoio de especialistas, unificando os dois sistemas e adaptando-os às necessidades de todos os alunos; a potencialização das formas de intervenção, isto é, a aplicação dos sistemas consultivos e de intervenção direta em sala de aula comum, por meio do ensino cooperativo; a adoção de uma nova organização escolar, propondo a colaboração, o ajuste mútuo, as formas interdisciplinares e o profissionalismo docente. Baixe em PDF entrevista na íntegra

2. Qual o papel da família na inclusão do indivíduo com necessidades educacionais especiais no ensino regular?
- Entendo que o primeiro passo refere-se à necessidade de superação de entendimentos estereotipados ou de senso comum primando pelo processo de construção do conhecimento da pessoa inserida em seu contexto social e cultural. E isto só será possível e viável, quando o Estado tomar a si a responsabilidade de, para além de instituir políticas de ação, passar a aplicá-las, com efetividade. Não basta simplesmente conceder inequívocos benefícios que se perpetuam em ações assistencialistas. Ao contrário, trata-se, em primeiro plano do respeito ao aporte legal estabelecido. Enquanto isso, assistimos a proliferação de ONGs – muitas destas, sérias e eficientes no cumprimento de uma função que é do Estado - , enquanto que a maioria destas – e a mídia revela esses fatos com razoável freqüência – aproveitam-se da fragilidade das famílias e fazem uso da pessoa com deficiência, de maneira a explorar a imagem e as condições, em benefício próprio.... É esse estado da arte que deve ser combatido à exaustão. A família necessita, por fim, de esclarecimentos, amparo e direcionamentos para a educação de seu membro deficiente.

3. De que forma as famílias dos alunos que convivem com o aluno com necessidade educacional especial podem ajudar no desenvolvimento e socialização em sala de aula?

- Primeiramente, informando aos professores e à equipe escolar sobre a real situação de seu filho/sua filha: hábitos, medicação, competências, etc.; em seguida, participando ativamente de todas as decisões sobre o filho/a filha; em terceiro lugar, colaborando, quando necessário, na própria escola e no lar, com as tarefas prescritas, com as atividades propostas; cobrando da escola e do sistema, a boa qualidade de ensino, necessária à garantia da permanência e do sucesso escolar. Sem a colaboração da família não há paradigma de inclusão que vingue!!!

4. Sabendo de suas vivências e estudos sobre a educação inclusiva, que história mais lhe marcou? (Contar algum fato interessante de uma escola ou de alguém)

- Infelizmente, as histórias “de inclusão” não têm final feliz!!!!! Algumas preocupações que tenho: a questão da própria definição de deficiência intelectual; os adultos com deficiência intelectual estão envelhecendo e perdendo seus cuidadores naturais: pai, mãe; muitas vezes, os irmãos, quando existem, não têm ou tem pouca disponibilidade para cuidar deles. Para onde estão indo? Asilos. Voltamos, como diz Gilberta Jannuzzi, cem anos na História e isso é preocupante. Nossa sociedade não está preparada para cuidar dos envelhecentes comuns, imagine daqueles que além das características próprias da idade, apresentam outras dificuldades?

- Assim, ao visitar os asilos aqui da minha cidade, para obter dados para uma pesquisa, deparo-me com uma realidade triste: alguns (meus) ex-alunos da APAE (fui professora durante algum tempo na instituição) estão asilados; se antes já não tinham identidade, agora é que não são considerados nem pessoas... Então, pergunto-me: que inclusão é essa?

5. Para você, quais as principais lacunas que devem ser preenchidas na formação de professores inclusivos?

- Primeiramente, todo professor deveria ter como premissa, incluir TODOS os alunos nas atividades acadêmicas, pedagógicas, de lazer, etc. Mas, a história da profissão docente não se dissocia do lugar que seus membros ocupam nas relações de produção e do papel que desempenham na manutenção da ordem social. No momento em que a escola se impõe como um instrumento privilegiado de estratificação social, os professores também passam a ser investidos de ilimitado poder: podem promover a ascenção (integração/inserção/inclusão) do aluno diferente ou a sua estagnação (exclusão). Neste caso, a diferença não é vista como sinônimo de diversidade: diferença tem o peso do entendimento negativo, em que ao aluno são atribuídas características que o transformam em deficiente. Dadas as peculiaridades, cada aluno deveria receber atendimentos diferenciados, sem que isto se constituísse demérito e desencadeasse um processo de marginalização. Ao contrário, tais entendimentos justificar-se-iam na medida em que se reconhecesse que todas as pessoas diferenciam-se umas das outras, e que podem conviver, harmonicamente, a partir desta diferenciação. E esta convivência não deveria ser interpretada como uma concessão de um determinado grupo a outros, mas sim, como um direito que a sociedade reconhece que todos têm, sem discriminação.

- Um novo plano de estudos para a formação deve conter delineamentos específicos que favoreçam a formação dos futuros docentes contemplando, em primeira instância a necessária articulação metodológica e didática para a intervenção e planejamento de ações de caráter formativo, no sentido amplo da educação – a formação do cidadão. Sem entrar na polêmica que envolve as definições terminológicas e semânticas, esclarecemos que tais ações dependem da organização e das possibilidades de gestão interna de cada instituição escolar para propiciar um ambiente escolar e de sala de aula adequados contando, ainda, com recursos técnicos e humanos necessários.

- Em segunda instância, mas de igual importância, devem ser considerados os procedimentos educativos que também requerem condições didáticas específicas para o desenvolvimento da atividade docente, tanto para salas com maior número de alunos, quanto para pequenos grupos ou para a atenção individualizada. Isto se dá com base na identificação das necessidades especiais e na tentativa de oferecer a atenção pedagógica adequada às necessidades de cada aluno.

- Em terceiro lugar, considerar a importância do contexto, uma vez que o ensino fundamenta-se na comunidade e atividade, é ecológico e holista, considera a opinião dos alunos propiciando a construção do conhecimento sob a forma de uma aventura do conjunto da classe e prescindindo do auxílio da família.

- A formação do docente de Educação e de Educação Especial (nesses sentidos mesmos, geral e especialista), inclusive para auxiliar nos serviços da educação especial, atuar em salas multifuncionais – uma “invenção” atual para as salas de recurso – tem de ser mais especializada para atender a diversidade do alunado; para tanto, é conveniente incluir disciplinas ou conteúdos afins, nos diferentes cursos de formação que contemplem, ainda que minimamente, o campo da EE. Assim, esta formação será mais efetiva a partir da relação colaborativa entre o sistema educacional, a universidade, os serviços sociais disponíveis em cada comunidade, a administração educacional, em todas as suas instâncias e o setor privado, transformando o sistema educacional em um marco de desenvolvimento de práticas pedagógicas e investigação de sua ação.

- A prática pedagógica profissional como fonte permanente e privilegiada de reflexão e de atuação propicia a análise do complexo movimento existente entre as construções teóricas e as atividades práticas, promovendo uma compreensão da natureza e da especificidade do conhecimento, desencadeando o desenvolvimento de um compromisso ético e político com uma sociedade democrática

6. Para você, existem diferenças de aprendizagem entre alunos que são inseridos no ensino regular de alunos que estão em instituições especializadas?

- Sem querer traçar um alinha temporal, mas datas são necessárias para o entendimento da idéia que expresso a seguir. No final da década de 80 ainda não havia um aporte legal tão conhecido quanto o que se tem atualmente. Para a minha dissertação de mestrado, tentei verificar quais eram os critérios, inclusive à luz das leis, em que profissionais – professores, gestores, psicólogos, médicos, se pautavam para encaminhar alunos para os serviços de educação especial. Em 2004, vinte anos depois, com outras condições, volto à questão e entrevisto vários profissionais com base na mesma questão. O que observo? Não obstante o apelo da inclusão, alunos continuam sendo encaminhados aos serviços, com base nos mesmos argumentos anteriores. Pergunto, então: o que mudou a´pós o advento da inclusão? Nada, ou quase nada. Alunos são encaminhados, desta vez, para salas de escolas comuns, porém, nada de novo se faz para garantir a sua aprendizagem, além da boa vontade e do interesse de alguns professores. Será que esses alunos não aprenderiam mais rapidamente e com mais sucesso em ambientes mais segregados? Essa questão eu prometo responder em breve, já que uma das minhas orientandas de doutorado está estudando a trajetória do aluno, antes institucionalizado, que foi encaminhado para o ensino comum, não teve sucesso e no momento, freqüenta sala da EJA. Em suma, não acredito que haja diferenças, mas se houver, ainda defendo o ensino especial, devido às condições supra-mencionadas.

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